
Os celulares realmente estão “estragando” o nosso cérebro?
- Carla Barros Mello Rodriguez
- 15min
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Nos últimos anos, quase tudo o que fazemos passa, de alguma forma, pelo celular. É ali que trabalhamos, estudamos, conversamos, nos distraímos e até buscamos conforto quando estamos ansiosos ou entediados. É difícil imaginar a vida sem ele. E é exatamente por isso que cresce a dúvida: será que esse uso constante está prejudicando o funcionamento do nosso cérebro?
Do ponto de vista clínico e científico, o que sabemos até agora é que o celular tem sim um impacto imediato na atenção. Estudos mostram que apenas o fato de o aparelho estar por perto, mesmo desligado, já diminui a concentração e a memória de curto prazo. Isso acontece porque parte da nossa mente permanece alerta, aguardando uma notificação ou mensagem. Essa vigilância constante ativa sistemas cerebrais ligados à recompensa, os mesmos que participam do ciclo da dopamina, e cria uma espécie de dependência do estímulo.
Mas é importante diferenciar. Usar muito o celular não “estraga” o cérebro. Não há evidências de que o uso cotidiano cause danos permanentes à estrutura cerebral. O que ocorre é uma mudança na forma como processamos as informações. Em vez de decorar conteúdos, o cérebro aprende a lembrar onde buscar. É como se o celular funcionasse como uma memória externa, o que é uma adaptação, não um defeito.
O problema aparece quando essa dependência se torna emocional. Pessoas com maior impulsividade, ansiedade ou baixa tolerância ao tédio tendem a usar o celular como regulador de humor. E, quanto mais usamos o aparelho para aliviar desconfortos, mais reforçamos esse circuito. É um mecanismo parecido com o de outros comportamentos compulsivos. Ele traz alívio rápido, mas reduz a capacidade de permanecer em silêncio interno, de lidar com o vazio e de manter foco sustentado.
No dia a dia, o impacto é visível. Durante consultas, aulas ou reuniões, basta uma notificação para dispersar completamente o raciocínio. Mesmo quem tenta fazer várias coisas ao mesmo tempo, como ouvir, responder e pensar, tem queda de desempenho. A atenção humana é sequencial, não paralela. Cada interrupção obriga o cérebro a reengatar o foco, o que gera fadiga mental, erros e a sensação de estar sempre sobrecarregado, mesmo sem ter feito tanto.
Por outro lado, o celular também é uma ferramenta extraordinária quando usado com consciência. Podemos aproveitar aplicativos de meditação, controle de sono, lembretes terapêuticos e até conexões sociais saudáveis. O ponto é o uso intencional. Definir momentos para responder mensagens, silenciar notificações e criar períodos de pausa.
No consultório, costumo propor pequenas estratégias. Deixar o celular fora do quarto, usar o modo “não perturbe” durante o trabalho e definir horários fixos para checar redes sociais. São mudanças simples, mas que devolvem uma sensação de clareza mental e presença.
A tecnologia em si não é vilã. O que esgota o cérebro é a falta de fronteira entre o tempo conectado e o tempo de estar consigo. Precisamos reaprender o valor do tédio, do silêncio e da pausa. É nesse intervalo que o cérebro organiza o que viveu, consolida memórias e processa emoções.
O celular não está estragando o nosso cérebro. Ele está mudando a forma como pensamos, lembramos e sentimos. A questão não é lutar contra o aparelho, e sim recuperar a capacidade de escolher quando usá-lo e quando não.
Referências
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